Tenho uma sobrinha de cinco anos que parece ter saído direto de uma narrativa de stand up comedy, um desenho animado ou de uma HQ. Ela é inteligente, divertida, amorosa e bem caricata. Eu poderia escrever uma crônica por dia sobre as peripécias que ela apronta, fora as que eu fico sabendo, e ainda assim sobraria história pra contar. Essa é a de hoje, sobre o dia em que ela me consertou.
Depois de uma semana corrida de trabalho e aula no sábado, decidi descansar. O plano era acordar cedo no domingo, pedalar por duas horas, ir à missa e almoçar com umas amigas. Mas o descanso virou uma hora de sono e eu só consegui pregar os olhos de novo às quatro da manhã. Acordei quebrada pro pedal e tarde demais pra começar a fazer as outras coisas. Como tinha que trabalhar depois do almoço, decidi ficar em casa achando que a tranquilidade estaria junto.
Eu tentava em vão assistir a um TED e depois ao primeiro episódio de Friends no aplicativo da Netflix no celular, querendo que uma maratona de riso fácil me roubasse a atenção e desviasse o pensamento. Deitei na cama da minha mãe e, vira e mexe, aquele ser de cachos dourados esvoaçantes e óculos lilás aparecia. Primeiro veio com uma coroa na cabeça. Transferiu a tiara pra mim e começou a velha sabatina de perguntas. Conversamos assuntos de princesa. Quando ela se afastava, retornava sempre com algo novo, umas histórias que sabe Deus de onde tirava, algum causo da escola, um par de uvas que dividímos e a Peppa Pig de feltro. Passei a manhã inteira tirando a Peppa Pig do meu colo por causa da alergia, até desistir. Esqueci de Friends, de que iria trabalhar no domingo até bem tarde, de que não consigo fazer planejamento algum no momento, do aniversário de separação e da ansiedade. Esqueci do meu esgotamento físico e emocional. A insistência dela em brincar e conversar comigo venceu a minha em permanecer vidrada no celular. Construímos estórias, vimos um vídeo de 24 segundos - que eu tive de repetir umas quatro vezes pra que ela risse as quatro e eu risse dela. Montamos uma cabana de lençóis e isopor, arquitetamos um plano de enganar os amiguinhos do pré-escolar com areia feita de biscoito triturado e minhocas de gelatina e virei um robô, que precisava de conserto. Em uma das suas chegadas ruidosas, ela tinha nas mãos uma peça de decoração do baby chá do irmão que vai nascer mês que vem. Com a sua chave de fenda imaginária, passou a apertar os parafusos soltos da minha cabeça. Um a um. Teve uma hora que foi impedida de usar um prego de verdade. Só sei dizer que funcionou.