Quem mora em Belém certamente sabe ou já ouviu falar em Walter Bandeira. Cantor, locutor, ator, pintor, professor e piadista. No auge da sua irreverência e carisma, Walter se foi de repente, deixando com lágrimas nos olhos e aperto no coração os artistas paraenses, família, amigos e fãs da boa arte.
Eu tive a oportunidade de conviver com o Jão durante oito anos. Todas às terças-feiras (às vezes, quartas) nos encontrávamos para a gravação do Minuto da Universidade. Lembro que, durante esse período, fui única vez a um show dele. Rei dos palcos, prefiro o Walter dos bastidores. Tenho o CD solitário lançado (nosso Frank Sinatra papachibé), mas fiquei mais triste quando a Drika roeu meu segundo celular, pifando com ele a gravação de “ne me quitte pas” que ele tinha gravado só pra mim. Em minha memória, um arsenal de lembranças do homem de camiseta furada que lia revistas velhas dentro do UFPA Padre Eutíquio. Recordo-me daquela época em que nos espremíamos na copa da Academia Amazônia, comendo pastelzinho frito do tio do lanche com o café preto da dona Bené, enquanto repassávamos o texto e ele me dava aulas de interpretação. Dizia, sempre: “com essa voz bonita, você tá perdendo dinheiro”. Não Walter, meu talento é outro.
Lembro dele me prendendo nas portas, falando dos seus “clientes”, do salário parco, das aquarelas, das notícias em alta e de trivialidades. Dele, me recordo ligando todo início de mês pra saber se a bolsa já tinha caído. Quando caiu e quebrou a perna, íamos (cinegrafista, auxiliar e eu) à sua casa para que gravasse na câmera Betacam. Ele aparecia na sala de cueca sendo empurrado em uma cadeira de escritório. Um dia resolveu facilitar nossas vidas. Entrou na internet, baixou um programa de edição de áudio, adaptou um estúdio no próprio quarto, onde recebia os textos, gravava e os enviava onlinemente.
Hoje acordei com saudade. A culpa é da Nara, que me perturba quase todo dia. Tira sarro da minha cara, junto com o Bargas, depois aperta minhas bochechas e braços dizendo que só o faz porque me ama. Ela, espírita convicta, diz “acho que tio Walter fica do meu lado, me atentando. Só pode. Eu não era assim (irreverente), mas estou desde quando ele morreu”. Que bom, Nara! Você está mais leve, apesar da gravidez...
No último ano em que trabalhamos juntos, pouco antes de pedir demissão e nos afastarmos do convívio semanal, ele escreveu numa folha em branco do computador que eu usava:
"amargo em lâminas nos detalhes do teu corpo ausente. como presença fora e de tal forma afinada com os meus desejos que gostaria duvidar, sair desse tormento quase verdadeiro".
Decidi postá-lo aqui em sua homenagem. Sem edições. Do jeitinho que escreveste e eu salvei. Até qualquer dia, amigo!
(Ilustração J. Bosco - Jornal O Liberal)
P.S: A Nara, sobrinha de Walter, a que me refiro no texto, deu à luz ontem ao Bernardo. Ainda me impressiono com os ciclos da vida!
3 comentários:
Concordo com ele, uma bela voz *-*, gosto de uma música, que é Foi Assim, me lembro que fiz até trabalho com ela.
Ai ai Eliana...Sabia que o choro viria...Foi um dos mais belos textos que já li sobre o tio Walter, ou como até hoje dizem Clara (minha filha) e Hugo (meu afilhado): vovô tio Walter!!! Também acordo com saudades dele de vez em sempre. Mas quando um amigo em comum como você escreve sobre lembranças, essa saudade se tranforma em sorrisos...Eu vou continuar te atentando, realmente, porque amo você!!!! Adorei tê-la conhecido...E, realmente, se tivesse sua voz, não estaria perdendo dinheiro e nem falaria com ninguém da tv de tão esnobe..Um beijo "preciosamente" carinhoso..KKKKKKK Nada a ver, Bargas!!! Beijossssssssssss!
Anteontem fui assistir a uma peça lá no Cláudio Barradas e, ao chegar no local, me deparei com uma foto antiga do Walter. Cabelo black power, roupa de hippie e - sempre - com o microfone na mão. Fiquei olhando... observando... e lembrei de muita coisa. Da época em que você falava diariamente dele, das conversas que vocês tinham. Me veio à mente mamãe, que nunca esqueceu a Lúcia... o meu reencontro com a Nara através de você... o dia em que notei a semelhança entre filhinha dela e ela quando criança (impressionante). Tudo. E agora, ao ler sobre o nascimento do Bernardo, também tive o mesmo pensamento que você com relação aos ciclos da vida. Beijos!
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