quarta-feira, 31 de março de 2010

Experiências


Vai, me diz. Se você é mulher, tem ou teve a mãe por perto, pelo menos uma vez já deve ter ouvido: “você só saberá o que é ser mãe quando tiver um filho”. Conta pra mim. Todas nós já ouvimos isso. Ou vamos ouvir.
Tem determinadas coisas, e elas já vivenciaram, que só experimentando mesmo pra saber a sensação. Parece uma descida na montanha sem direito a freio ABS... a vida. Nada de plano terreno.
Dentre tantas experiências que ainda vamos ter (em qualquer fase da vida), poucas nos tiram tanto os pés do chão como não saber lidar com determinados sentimentos, que tentamos nomear de tudo quanto é jeito (dependendo de como lidamos com eles). Chega um momento em que a gente se joga do avião em queda livre e torce pra que o pára-quedas abra e a gente possa apreciar a vista.
O meu não tem aberto esses dias. A razão? Ainda desconheço. De real, só o vidro vazio de florais de Bach, a falta de grana pra terapia, o fato de que não encontrei nenhuma academia de yoga perto de casa e de que já estou quase sem unhas.
Dona Gislene estava certa. Ainda não sei o que é ser mãe. Talvez nunca seja.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Altar particular


"...Sei lá,
a tua ausência me causou o caos
No breu de hoje
eu sinto que
O tempo da cura
tornou a tristeza normal
(...)
Sem mais,
a vida vai passando no vazio
Estou com tudo
a flutuar no rio
esperando a resposta
ao que chamo de amor".

(Maria Gadú)

sábado, 27 de março de 2010

Traço


Um papel riscado jamais voltará a ser uma folha em branco
Ele pode ser apagado e até reciclado
Ainda assim...
Carrega a experiência do traço.

sexta-feira, 26 de março de 2010

Quase









Um pouco mais de sol - eu era brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Assombro ou paz? Em vão ...Tudo esvaído
Num baixo mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor - quase vivido...

Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim - quase a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!

De tudo houve um começo...e tudo errou...
- Ai a dor de ser - quase, dor sem fim...
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou...

Momentos de alma que desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas nunca mais fixei...

Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...

Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...


(...)


Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Mário de Sá-Carneiro


Nós, os pouco felizes

Nós, os seres humanos que vivemos em casas ou apartamentos, e não em acampamentos nem nos viadutos, nem nas favelas ou nos hospícios, nós que vivemos em residências de cujas janelas podemos ver a cidade em seus ofícios e vícios, ou as paisagens do campo e suas luzes, nós que sabemos cantar em prosa e verso, que podemos andar, sorrir, comer, temos a indústria e o comércio, e conta nos bancos, universitários, que nunca fomos à guerra ou despejámos mísseis, nós que podemos ver o mar, as ilhas, as aves, as montanhas, o céu belíssimo, as nuvens pretas, as estrelas, a amplidão do mundo, que temos mapas e a astronomia, médicos e anestesia, hospitais e poesia, que podemos viajar, olhar vitrines e comprar, nós, ai, nós, que sabemos ler e lemos livros, temos fogões em nossas casas, temos camas, temos sexo e desejo, temos o beijo, nós que ouvimos música no rádio ou em discos, que temos filhos com todos os dentes, escola, agasalho e nem vivemos em Cuba, nós que não somos curdos, nem etíopes nem angolanos, que temos florestas imensas, rios, terras, temos seca e temos chuva, temos quadros e gravuras, o luar do sertão e as araras, que choramos no cinema, que temos alma e lágrimas, mil caras, uma só, dedos sensíveis e crenças, amores secretos, jornalistas altruístas, padres guerrilheiros, músicos ardentes, escritores, sindicalistas, líderes sem-terra à vista, violeiros repentistas, loucuras, alvará de soltura, uma terra com palmeiras onde canta o sabiá, que temos carro ou sapato sem furo, temos o passado e o futuro, nós que assinamos revistas e jornais, temos casa de campo, mesmo que seja de um amigo onde há cavalos e pirilampos, nós que jantamos à luz de velas, tomamos vinho e meio embriagados lemos poemas para os passarinhos, ou para as belas mulheres, ou para o ser que amamos, e amamos vários, nós que somo amados, que vamos à praia ou não vamos mas esperamos a praia vir a nós, que vestimos roupas e usamos um antigo anel de família que ainda não foi roubado, e que talvez nunca seja, que tomamos cerveja, que temos a confissão e o perdão, que acordamos tarde e não andamos de trem, que temos salário, ou renda fixa, emprego, família, paixão, nós que temos corpo e estamos vivos, temos amigos, temos trabalho, fazemos exercícios, somos hedonistas, artistas, poucos, nós que fazemos cinema, que sentimos o perfume e temos sonhos, que adoramos ouvir estórias contadas por qualquer estranho, que dançamos alegres com as crianças, que gostamos de lareira e frio, sorvete e calor, o limpo e o macio, que sonhamos navegar tornando o mundo pequeno, que usamos biquínis e tangas, desfilamos nossos seios nus nas escolas de samba, que não somos da ralé nem da choldra, nem da rafaméia nem do lúmpem nem da miséria, que especulamos e ganhamos mas também perdemos, nós que temos raízes, directrizes, teatro, damas atrizes, jogadores, senadores, ai de nós, perdoai-nos, somos os pouco felizes.

(Ana Miranda)

Publicado originalmente na revista "Caros Amigos" em 1999

quarta-feira, 24 de março de 2010

Minha mãe conversa com o Jr, um peixe beta


Não sou sentimental. Quem me conhece sabe disso. Já fui mais pidona e dramática, mas as agruras que a gente coleciona ao longo da vida tratam de nos moldar, criando mecanismos de defesa. Poucas coisas, de fato, mexem comigo: amor, família e os animais. Cães, em especial.
No meu último sábado de folga, entre um papo e outro com minha mãe, assistia a trechos de K9, Um Policial Bom Pra Cachorro 2, reprisado pela milhonésima vez pela Rede Globo. Não era preciso prestar atenção no filme. Conhecia o enredo de trás pra frente. Partes um e dois. Mesmo assim, não consegui deixar de rir e chorar, de novo. E de novo com Beethoven, Hachiko: A Dog's Story, Amigos para Sempre, Marley & Eu...
Quando tinha 13 anos, conheci autoras como Marina Colasanti e Cecília Meireles. Não consigo lembrar o nome do livro da oitava série, que havia substituído as três edições anteriores de “Reflexão & Ação”, mas lembro perfeitamente que entre uma oração subordinada e outra, elas reinavam lá. Soberanas. E a professora Ruth (a quem serei eternamente grata!) nos fazia lê-las em voz alta. Lembro que entre uma figura de palavra ou de construção, a boa literatura começava a firmar seu espaço no meu aprendizado. Para explicar as funções da linguagem e a morfossintaxe, textos de João Cabral de Melo Neto, Luis Fernando Veríssimo, Fernando Pessoa by Álvares de Campos.
Um deles marcou meu imaginário infantil e quis postá-lo hoje aqui, em especial à Célia Fernanda, que esta semana perdeu um membro da família: Pretinha. Nela, a representação de ruseles, alexs, daisys, gislenes e todos aqueles que amam e respeitam os animais (sim, eu faço parte desta comunidade no Orkut).
Um Cão Apenas
Subidos, de ânimo leve e descansado passo, os quarenta degraus do jardim – plantas em flor, de cada lado; borboletas incertas; salpicos de luz no granito. Eis-me no patamar! E a meus pés, no áspero capacho de coco, à frescura da cal do pórtico, um cãozinho triste interrompe o seu sono, levanta a cabeça e fita-me. É um triste cãozinho doente, com todo o corpo ferido; gastas, as mechas brancas do pêlo; o olhar dorido e profundo, com esse lustro de lágrima que há nos olhos das pessoas muito idosas.
Com um grande esforço, acaba de levantar.-se. Eu não lhe digo nada; não faço nenhum gesto. Envergonha-me haver interrompido o seu sono. Se ele estava feliz ali, eu não devia ter chegado. Já que lhe faltavam tantas coisas, que ao menos dormisse: também os animais devem esquecer, enquanto dormem… Ele, porém, levantava-se e olhava-me. Levantava-se com a dificuldade dos enfermos graves, acomodando as patas da frente, o resto do corpo, sempre com os olhos em mim, como à espera de uma palavra ou de um gesto. Mas eu não o queria vexar nem oprimir.
Gostaria de ocupar-me dele: chamar alguém, pedir-lhe que o examinasse, que receitasse, encaminhá-lo para um tratamento… Mas tudo é longe, meu Deus, tudo é tão longe. E era preciso passar. E ele estava na minha frente, inábil, como envergonhado de se achar tão sujo e doente, com o envelhecido olhar numa espécie de súplica. Até o fim da vida guardarei seu olhar no meu coração. Até o fim da vida sentirei esta humana infelicidade de nem sempre poder socorrer, neste complexo mundo dos homens. Então, o triste cãozinho reuniu todas as suas forças, atravessou o patamar, sem nenhuma dúvida sobre o caminho, como se fosse um visitante habitual, e começou a descer as escadas e as suas rampas, com as plantas em flor de cada lado, as borboletas incertas, salpicos de luz no granito, até o limiar da entrada. Passou por entre as grades do portão, prosseguiu para o lado esquerdo, desapareceu.
Ele ia descendo como um velhinho andrajoso, esfarrapado, de cabeça baixa, sem firmeza e sem destino. Era, no entanto, uma forma de vida. Uma criatura deste mundo de criaturas inumeráveis. Esteve ao meu alcance, talvez tivesse fome e sede: e eu nada fiz por ele; amei-o, apenas, com uma caridade inútil, sem qualquer expressão concreta. Deixei-o partir, assim, humilhado, e tão digno, no entanto; como alguém que respeitosamente pede desculpas de ter ocupado um lugar que não era o seu.
Depois pensei que nós todos somos, um dia, esse cãozinho triste, à sombra de uma porta. E há o dono da casa e a escada que descemos, e a dignidade final da solidão.
(Cecília Meireles)

terça-feira, 23 de março de 2010

Quando o amor não acaba

Foi durante o sempre doloroso processo de separação que Tati me fez ver com clareza por que me apaixonei por ela
A culpa – porque sempre existe culpa quando se trata dessas coisas do coração – foi de uma calça cor-de-rosa da Levi’s. Uma dessas 501, de cintura baixa, bem baixa. Quando ela entrou na redação usando aquela calça, fiquei maluca. Mas ali não havia muito o que fazer. Ela tinha namorada, era praticamente casada, e eu teria que me contentar com as sempre bem-vindas, mas muitas vezes insuficientes fantasias. Foi esse meu primeiro contato visual com a Tati, minha mulher e companheira nos últimos dez anos.
Depois do episódio da Levi’s rosa, como elas – calça e proprietária – não me saíam da cabeça, decidi investir numa improvável amizade e esperar por uma janela de oportunidade. E fui me aproximando, ficando mais íntima, mais amiga, confidente, conselheira, até que, finalmente, já completamente apaixonada, vi uma brecha. No começo, foi um relacionamento tumultuado, cheio de idas e vindas, de traições e culpas. Até que ela resolveu se mandar sozinha para uma temporada na Califórnia e, quatro meses e 11 mil milhas depois, lá estava eu atrás dela, na terra onde o sol sempre brilha. E foi então que minha alma percebeu que havia chegado em casa. Tati era tudo pra mim. Me dava colo, conforto espiritual, me aprumava, me acariciava, me namorava.
Ao lado dela, e incentivada por ela, cresci, amadureci e fui feliz. Tati cuidava da grana, da comida, das burocracias pentelhas do dia-a-dia e, claro, de mim. Eu ficava incumbida de lavar a louça, de fazer ela rir e de dançar devagarinho com ela na sala, à noite, bem tarde, enquanto o mundo dormia. Juntas, fazíamos supermercado, ginástica, líamos na cama, levávamos os sobrinhos ao cinema, escolhíamos os móveis da sala, os filmes do fim de semana, o sabor do sorvete, a próxima viagem. Conversávamos sobre a vida, planejávamos o futuro, tentávamos entender o passado e ríamos muito. Ríamos das coisas engraçadas, das coisas tristes, das coisas bobas, das coisas sérias – em minha memória, existe um arsenal imenso de risadas compartilhadas com minha companheira de cabelos castanhos, pele e olhos cor de mel.
Tati dormia abraçada comigo, me coçava as costas, lia meus textos antes de publicados, fazia correções, sugestões e colocava a cabeça em meu ombro quando falava, sempre com extrema competência e simplicidade, sobre as coisas mais profundas da vida. Levava vinte minutos escovando os dentes antes de deitar porque estava convencida de que assim evitaria futuros problemas na gengiva, passava creme no rosto dando tapinhas leves na testa e na bochecha num ritual delicioso e que todas as noites me fazia rir, dormia sempre de bruços e sempre muito silenciosamente, e, antes de engolir qualquer bebida, “mastigava” o líquido para “fazer com que ele descesse mais quentinho”.
Ela me fez ver o que eu jamais teria visto sem ela. Me fez chegar a lugares que eu talvez levasse uma vida para chegar, se chegasse. Me fez ser um tipo de pessoa que eu muito provavelmente nunca conseguiria ter sido. Tati me fez acreditar que eu podia, que eu devia, que eu precisava ouvir os anseios mais profundos da minha alma. Me fez optar pela estrada certa, mesmo não sendo a mais fácil ou nítida.
Há algumas semanas, Tati e eu decidimos seguir caminhos separados. Depois de passar dez anos respirando o mesmo ar que ela, estou reaprendendo a dar meus passos sem ser amparada, sem ser observada, sem minha maior admiradora e fã. E foi durante o sempre doloroso processo de separação, esse que divide CDs, livros, guarda-roupa (no caso de casais gays, claro) e a alma, que ela me fez ver com clareza exatamente por que me apaixonei perdidamente por ela há dez anos.
Tati é magnânima, delicada, inteligente, doce, sensível, carinhosa, linda e, acima de tudo, me ama com um tipo de desinteresse genuíno que normalmente esperamos receber apenas de nossos pais.
Em minha memória, sobraram fragmentos de imagens apaixonadas, engraçadas, divertidas, inesquecíveis: ela e eu decidindo o jantar daquela noite, fervendo a água para o macarrão, brindando nosso relacionamento com vinho tinto, rindo alto de algum episódio de Friends, fazendo panqueca no café-da-manhã, jogando raquetinha na praia, tênis no clube, comprando pão francês na padaria, o quindim do Pinheiros, correndo na pracinha, conversando na cama antes de dormir, brincando de fazer amor.
Tati me fez mulher, me fez feliz, me fez quem sou. Tati foi embora, mas deixou seu sorriso perfeito, branco, aberto, sincero, sempre apaixonado. E a Levi’s cor-de-rosa, evidentemente. Porque ela sabe que os ciclos da vida são feitos de pequenos e aparentemente insignificantes detalhes – e de pessoas. Pessoas, para os que têm sorte, como a Tati.


(Milly Lacombe)

domingo, 21 de março de 2010

Quando uma etapa chega ao fim


Sempre é preciso saber quando uma etapa chega ao final...
Se insistirmos em permanecer nela mais do que o tempo necessário, perdemos a alegria e o sentido das outras etapas que precisamos viver.
Encerrando ciclos, fechando portas, terminando capítulos. Não importa o nome que damos, o que importa é deixar no passado os momentos da vida que já se acabaram.
Foi despedida do trabalho? Terminou uma relação? Deixou a casa dos pais? Partiu para viver em outro país? A amizade tão longamente cultivada desapareceu sem explicações?
Você pode passar muito tempo se perguntando por que isso aconteceu....
Pode dizer para si mesmo que não dará mais um passo enquanto não entender as razões que levaram certas coisas, que eram tão importantes e sólidas em sua vida, serem subitamente transformadas em pó. Mas tal atitude será um desgaste imenso para todos: seus pais, seus amigos, seus filhos, seus irmãos, todos estarão encerrando capítulos, virando a folha, seguindo adiante, e todos sofrerão ao ver que você está parado.
Ninguém pode estar ao mesmo tempo no presente e no passado, nem mesmo quando tentamos entender as coisas que acontecem conosco.
O que passou não voltará: não podemos ser eternamente meninos, adolescentes tardios, filhos que se sentem culpados ou rancorosos com os pais, amantes que revivem noite e dia uma ligação com quem já foi embora e não tem a menor intenção de voltar.
As coisas passam, e o melhor que fazemos é deixar que elas realmente possam ir embora...
Por isso é tão importante (por mais doloroso que seja!) destruir recordações, mudar de casa, dar muitas coisas para orfanatos, vender ou doar os livros que tem.
Tudo neste mundo visível é uma manifestação do mundo invisível, do que está acontecendo em nosso coração... e o desfazer-se de certas lembranças significa também abrir espaço para que outras tomem o seu lugar.
Deixar ir embora. Soltar. Desprender-se.
Ninguém está jogando nesta vida com cartas marcadas, portanto às vezes ganhamos, e às vezes perdemos.
Não espere que devolvam algo, não espere que reconheçam seu esforço, que descubram seu gênio, que entendam seu amor. Pare de ligar sua televisão emocional e assistir sempre ao mesmo programa, que mostra como você sofreu com determinada perda: isso o estará apenas envenenando, e nada mais.
Não há nada mais perigoso que rompimentos amorosos que não são aceitos, promessas de emprego que não têm data marcada para começar, decisões que sempre são adiadas em nome do "momento ideal".
Antes de começar um capítulo novo, é preciso terminar o antigo: diga a si mesmo que o que passou, jamais voltará!
Lembre-se de que houve uma época em que podia viver sem aquilo, sem aquela pessoa - nada é insubstituível, um hábito não é uma necessidade.
Pode parecer óbvio, pode mesmo ser difícil, mas é muito importante.
Encerrando ciclos. Não por causa do orgulho, por incapacidade, ou por soberba, mas porque simplesmente aquilo já não se encaixa mais na sua vida.
Feche a porta, mude o disco, limpe a casa, sacuda a poeira. Deixe de ser quem era, e se transforme em quem é. Torna-te uma pessoa melhor e assegura-te de que sabes bem quem és tu próprio, antes de conheceres alguém e de esperares que ele veja quem tu és..
E lembra-te:
Tudo o que chega, chega sempre por alguma razão.

Fernando Pessoa

Tempo. Pra quê?



Hoje eu decidi virar a segunda página de Memórias de Minhas Putas Tristes. Sim, Gabriel García Márquez teve de esperar (desde o amigo invisível do natal passado) o término do livro de contos eróticos que me emprestaram, os apontamentos do novo nível do curso de francês e Victória Alada, que me fez aguardar pelos Correios com a ansiedade que não vivia desde a 5ª temporada de The L Word.
Às vezes, estar só faz bem para o abastecimento cultural da alma. E do ego. Nunca sobrou tanto tempo pra mim. Não que não queira estar acompanhada. Mas, em que outro domingo, desde os meus 25 anos, eu teria (por vontade própria) tantas horas pra digitar a metade final do meu romance escrito à mão? Eu sei, eu sei. Já vi, li, ouvi e vivi que não devemos nos abandonar em um duo, mas sou integrante da parcela de humanos-mula que ficam se testando pra saber até onde vão.
Quando se está em um relacionamento, cumprimos uma série de “burocracias românticas” tendo a consciência de que seremos cobrados mais lá na frente. O mais engraçado? Gostamos dessa prisão. Esperamos, lutamos por ela. Cantamos, escrevemos, encenamos a inspiração. Lucramos com ela. Não sabemos o que fazer quando as carceragens são abertas. Leva um tempo até rever o que (e quem) deixamos pra trás. Retomar o equilíbrio, o prumo, nos obriga a mais uma prisão.
A vida nos cobra escolhas o tempo todo. A de hoje: passar da quinta página do velho Gabriel, me dado pelo novo Gabriel, postar este texto e seguir adiante.

(...)

Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas
Que já têm a forma do nosso corpo
E esquecer os nossos caminhos que nos levam sempre aos mesmos lugares
É o tempo da travessia
E se não ousarmos fazê-la
Teremos ficado
para sempre
À margem de nós mesmos
(Fernando Pessoa)

sábado, 20 de março de 2010

Roteiro (des)adaptado


Dia desses vi na Internet um mini-vídeo com o roteiro bem parecido ao de um texto que escrevi aos 20 anos. Na época, eu tinha de escrever um conto para a disciplina “Projetos Experimentais I”, do 7º semestre da faculdade de jornalismo. Tinha de ser uma narrativa que inauguraria a sessão de contos de um site lésbico chamado Greta Garbo (quem diria!). Pois bem, voltando ao curta-metragem... Ele não era parecido ao meu roteiro, era impressionantemente igual. Cenários diferentes, linguagem televisiva, mas gêmeo do meu. Daí pensei: faz tempo que precisamos de grandes pensadores! Daqueles que um dia criaram a roda, o telefone, a energia elétrica e a máquina de lavar roupa. Até as ideias passaram a ser reaproveitadas, apenas o aprimoramento de flashs que um dia pulularam na mente de visionários. Penso que, só quando encontrarmos a cura para a AIDS, para o câncer ou descobrirmos a fórmula prática e eficaz para a paz no mundo, vamos nos surpreender novamente.
Trabalhei oito anos em uma instituição científica. Conheci de cor centenas de laboratórios, milhares de monografias, dissertações e teses que ambicionavam ser úteis de alguma forma à sociedade. Me vislumbrei nos primeiros anos da carreira que iniciava, até descobrir que na Academia (que deveria ser a mola propulsora da expansão do conhecimento), até lá, as ideias se limitam. As linhas de pesquisas se restringem às habilidades de seus doutores, PHDs que, na grande maioria, foram pra fora do Brasil fazer copydesk da pesquisa de um gringo, adaptando-a aos moldes tupiniquins. Orientadores que tosam as asas de jovens aprendizes. Pioneirismo virou luxo nos grandes centros científicos. Daí as pesquisas se confinarem em um círculo vicioso “chocolate faz bem, chocolate faz mal”, “uma taça de vinho tinto ao dia é bom, mas álcool faz mal à saúde”.
De todas as novidades apresentadas nos últimos tempos, a que mais me chamou a atenção foi a descoberta da vacina para o H1N1. Vírus como o da gripe comum, que só ganhou repercussão mundial por causa do pânico generalizado causado pela mídia, que passou a contabilizar os mortos, um a um. Como se o processo natural da vida não extinguisse milhares por doenças mais banais e os devolvessem à Terra. Todos os dias. Pois bem, a reposta quase que imediata à prevenção para a “gripe A” me surpreendeu porque o Governo bancou e comprou a vacina. Porque ela chegou rápido em nosso país e teve o calendário de imunização antecipado. Por isso a surpresa, a qual serei eternamente grata aos veículos de comunicação que mobilizaram a causa (sou do grupo de risco e no próximo dia 22 estarei no postinho de saúde tomando minha dose... hehe!). Mas daí a dúvida: se o tal vírus tivesse sofrido mutações genéticas significativas, será que nossos homens de jalecos brancos ainda não estariam se debatendo diante das velhas fórmulas?
No campo da comunicação e tecnologia, as invenções não param. De ser aprimoradas. Nada de novo. Nada de raiz, de gênesis, de ineditismo.
Bem, voltando ao meu texto adaptado às telas da Internet, pensei em exibi-lo em um post independente. Não que ele o mereça (eu tinha 20 anos). Mas, aí perdeu a graça no último final de semana. Ele, aqui, será parido bem ao estilo Benjamin Button, sem direito ao rejuvenescimento. Então, me restou colocá-lo tímido, no próximo post porque acabou meu limite de caracter. Não, antes, sem este prefácio.

Caiu na rede...


Faz dois anos que conheci Érica pela Internet, faz dois anos e sei lá quantos meses que a minha vida tomou um novo sentido, recheada de frágeis e deliciosas surpresas.
Eu sempre entrava com o nick “eu.comvc”, roubado de um ex-amigo de trabalho só porque eu achava bonitinho e que, por um tempo, foi o nome parecido de uma sessão do programa apresentado pela Monique Evans na Rede TV!. Entrava em chats regionais embora eu nunca tivesse a pretensão de conhecer, pessoalmente, ninguém da Net. Sabe como é, as pessoas mentem tanto pelas teclas do computador. Inclusive eu.
Papo vai, papo vem, fiquei sabendo o nome da fulana e eu... bom, tinha dito que era “H”. Acabei me descrevendo do jeito que eu sou e o que realmente faço, só que, tudo, com o pseudônimo de João Carlos. E assim começou a história, eu, homem, ou melhor, Clarice, apaixonada por uma mulher. Não deveria ser surpresa se eu já tivesse tido outros amores lésbicos, mas não! Era o primeiro, doce e mentiroso amor feminino da minha vida.
Cinco meses se passaram, até que não dava mais para ocultar ou disfarçar esse turbilhão de emoções tão novos para quem já tinha na mala quatro namorados, 26 anos de idade, mas ainda muita fome de viver intensamente.
Praça da República, sexta-feira, dia 23 de setembro de 1999, entardecer... Foi lá mesmo, onde tudo acontece, que marcamos nosso primeiro encontro, naquele coreto de pedra. Lá onde a mulher de vestido azul-escuro viria por fim nas minhas expectativas. Mas, como eu contaria que era uma mulher, que menti meu verdadeiro nome porque tudo começou como uma grande brincadeira? Pra começar, nem fui com a calça jeans nem com a blusa bege que prometi. Apareci com uma calça preta e uma camiseta branca bem iguais aos modelitos de um bocado de gente – acho que não preciso dizer que foi propositadamente.
Deu 17h45, e eu continuei ali, olhando discretamente para aquela mulher tão linda em sua estatura mediana, branca, magra de cabelo castanho-claro, assim como os marcantes olhos. Deu 18h20. Ela já não conseguia mais esconder sua tensão, deveria estar pensando “quem seria tão imbecil a ponto de se atrasar tanto no primeiro encontro?”. Deu 18h42. Ela furiosa partiria dali se não tivesse escutado um “espere!”, trêmulo, quase nulo...
- Pois, não!
- Você é a Érica, não é mesmo?
- Isso mesmo, por quê?
- Muito prazer, eu sou o João Carlos – eu mesma não acreditava no que acabara de ter feito.
- Isso é uma brincadeira? Porque se é, não tem graça nenhuma!
- Como eu saberia quem é você?
- De repente, podes ser amiga daquele... daquele idiota!
- Como eu saberia que você é filha única e quase morreu na hora do parto? Ou que você tem um minúsculo beija-flor tatuado na região do cóccix?
Silêncio. Érica estava ficando rosada, vermelha, roxa... Quando, de repente, um grito de furor foi ecoado (acho que toda a Praça da República deve ter escutado).
- Eu mato o João, eu mato! Olhou para mim e já vindo na minha direção continuou:
- Saia da minha frente!
- O que eu preciso fazer para que você acredite que sou eu? Desculpe-me, eu quis contar, mas...
- Então é por isso que você não quis marcar esse maldito encontro antes, dar seu endereço ou um telefonema, Joã... Nem seu nome eu sei.
- Clarice. Eu me chamo Clarice, sua ex-qualquer-coisa virtual...
Adiantei o passo e já estava descendo as escadas do coreto quando ela me puxou pelo braço:
- Ainda que sejas mulher, não posso deixar partir alguém que já me conhece tanto e sem me dar boas explicações..
- Eu só menti o nome, o resto é verdade – balbuciei essas palavras já com o gosto de lágrima na boca.
- Vem comigo!
Érica conduziu-me até sua casa. Morava só num apartamento pequeno e bem decorado. Assim que chegamos, ela pediu que eu ficasse à vontade. Como, depois de tudo que aconteceu? Saiu. Voltou com dois copos: dose dupla de vodka que devo ter acabado em, no máximo, três goles. Passado alguns infinitos minutos de inevitável silêncio, ela resolveu falar:
- Clarice é mais bonito que João Carlos... Bem, na verdade, você não precisa me dizer porque mentiu, eu consigo imaginar. Essas brincadeiras da Net, sempre nos pregando peças. Afinal, podemos ser qualquer coisa, não é mesmo?
- Podemos?
- Eu, por exemplo, posso ser um projeto de “ex-homossexual” desiludida por causa do último relacionamento e decidida a não mais amar ninguém do mesmo sexo. Burrice minha! Achar que a gente pode fugir do destino. Vejam só o que arrumei!
- Preciso te contar mais uma coisa..
- Ah, mais surpresas! Vamos lá.
- Eu nunca tinha me apaixonado por uma mulher antes. Na verdade, nem sei como tudo isso foi acontecendo... Foi. Quando dei por mim, já não dava mais pra trocar fotos ou ligar a webcam, daí o pacto de nos conhecermos às escuras. Sempre acreditei que amor não escolhe sexo e você é tão... tão envolvente que, que...
- Querida. Érica interrompeu segurando minha mão.
- Você não precisa se explicar mais. A gente tem o livre arbítrio de conduzir a nossa vida como quiser mas. Como eu disse, quem de nós tem o poder de fugir do tal destino? O seu, por exemplo, já estava sendo traçado, meu doce João Carlos. Só espero que você esteja preparada.
- Preparada, para o quê?
Érica, passando a mão no meu rosto, me beijou.

Abrindo o alfarrábio


Hahaha!!! Dia desses ouvi de alguém: "você gosta mesmo dessas músicas de boate".
"Elas me alegram" - respondi.
Agora, por exemplo, já perdi as contas de quantas remixagens de "Just Dance" tocou no computador. Ainda pouco a Lady Gaga mandou "Paparazzi" e eu saí correndo achando que era o toque do meu celular. Não era. Voltei e decidi postar mais um texto que li há muitos anos, copiei, colei e salvei em alguma pasta do meu PC. Ele resume bem este sábado de folga.
Ah! Lady Gaga me alegra mesmo. Gosto da estranheza dela.


O que fazer em caso de tédio

Minha vida tá chata. Pra cacete. Ou melhor: sem cacete. Eu passo mais de doze horas no trabalho, mais de duas horas na academia, mais de seis horas pra pegar no sono... e não sobra nada para acalmar as súplicas dos meus hormônios por uma vida menos meia-boca. Eu sigo à risca a dieta da nutricionista para ganhar músculos, mais os exercícios do personal para perder a largura da bunda e o balanço desnecessário do músculo do tchau. Eu cumpro prazos, eu cumpro horários, eu cumpro regras de sobrevivência para não mandar à merda as pessoas chatas do meu trabalho e perder o emprego. Eu cumpro regras de educação para não dizer todas as merdas que me vêm à cabeça quando sou obrigada a aturar pessoas burras - e, por falar em merda: até meu intestino tem funcionado com hora certa.
Puta vida chata! Minha vida tá um Nutry de banana, sabe? Uma esteira no condomínio do prédio? Um homem que a leva para jantar no La Buca Romana e escuta CD de novela? Minha vida tá meia-boca pra cacete.
Você também precisa de um motivo para levantar da cama de manhã? Não que eu seja depressiva e tenha dificuldades de levantar da cama, não é isso. Tô falando de LEVANTAR da cama, dar aquele pulo de "bora lá para mais um dia fantástico, Tatiane!". Você também precisa de um?
Pois é, eu dedico dez minutos da minha manhã procurando um, e o único que vem a minha cabeça é "levanta logo porque, se a vida tá chata, perder o emprego só vai piorar".
Antes era tão fácil, quando eu tinha meus 18, 19, 20 anos. Eu levantava da cama porque tinha uma festa na São Francisco cheia de homens pseudopolitizados, sustentados pelo pai com camisetas do Che Guevara. Eu levantava porque tinha cervejada no Mackenzie com todos os meus amigos deslumbrados pela vida que prometia tantas coisas. Eu levantava porque o gatinho da balada (que não sabia nem falar e estava fumado) tinha prometido ligar. Eu levantava porque era estagiária da W/Brasil e propaganda me dava um puta tesão, publicitários me davam um puta tesão e o sonho de ser contratada numa agência grande era quase um orgasmo.
Hoje acho festas de faculdade e garotos de balada um porre (até porque não tenho mais idade nem ouvido pra isso) e meu tesão pela propaganda e pelos publicitários brochou sem esperanças de Viagra.
Publicitários em geral são chatos, inseguros, metidos, freqüentam sempre os mesmos lugares, falam sempre as mesmas coisas e acham que a barriga e a careca não importam já que eles têm uma conta cheia no banco, mas na verdade são brochas de tanto trabalhar. Propaganda é só mais uma profissão com tudo o que uma profissão tem de chata (com a agravante de ter criativos que se acham artistas porque no Brasil o cinema ainda é fraco e atendimentos que se sentem tão bostas que soltam frases em inglês para virar o mister MBA. E que fique claro que não estou generalizando, por favor.
Enfim, me perdi no meu veneno, voltando ao assunto: minha vida tá chata, pra cacete. Eu conheço homens aqui e ali, mas nenhum me emociona, os que me emocionam se mostram loosers semanas depois (olha eu brincando de MBA igual a meus amigos atendimentos). Minhas amigas em geral continuam arrastando seus namoros sem emoção e as que juram viver uma vida de emoção vivem bêbadas. E que fique claro que não estou generalizando, por favor. Meus heróis morreram de overdose: overdose de trabalho, overdose de família, overdose de vida adulta, overdose de ir empurrando com a barriga. Tenho me emocionado com crianças e cachorrinhos, que são em essência o que são e tudo se resume a algo muito bonito e simples. De resto, baaaaaahhhhhhh, onde está a diversão?
Olha, eu tenho procurado por ela. Eu não tenho estado-estando-desistindo (só para citar mais uma vez meus amigos atendimentos e seus gerúndios MBA). Ela não está na Faria Lima ou na Vila Olimpa com suas garotinhas e garotinhos em série: uma edição sem cérebro. Ela não está na Vila Madalena ainda que eu não tenha desistido de ser despretensiosamente feliz num barzinho despretensioso. Ela não está nos três filmes a que assisto por semana para fugir da minha realidade. Ela definitivamente não está em ex-casos, ex-namorados e ex-paqueras. Às vezes eu acho que ela está na Fnac, na praia ou numa trepadinha sem maiores danos. Mas aí ela escapa como areia das minhas mãos assim que eu enjôo do CD, do calor, da falta de amor ou acabo um livro. A felicidade é fugaz, pequena demais para meu vício e meu exagero. Ela não está no meu carro novo, nas minhas roupas novas, no meu novo emprego, no meu salário. E se você vier com aquele papo de que está em mim eu vou te dizer que chupar o título do Freud não vale. Ter alguma consciência, alguma idade e alguma experiência me tornaram exigente. E eu que gostava da diversão em diversidade fiquei com pouquíssimas opções. Fiquei chata. Enfim, sei lá. Vai ver essa coisa de diversão e felicidade é uma eterna busca mesmo. E vai ver que é por isso que a gente continua levantando da cama.

Agora, "Bad Romance" by Chew Fu Remix... Que ironia!

A paixão segundo Hilda Hilst


Cassiano Elek Machado – Folha de São Paulo - 07.02.2004

Muito além dos folclores de Hilda Hilst -da senhora que vivia cercada de vira-latas, da autora boca suja, da femme fatale que assombrara os homens da velha São Paulo, da mulher irremediavelmente fascinada pela loucura do pai - havia paixão.
Em trecho não publicado de longa conversa da poeta com este repórter, em 2002, na Casa do Sol, ela dizia: "Você precisa sempre se apaixonar para ter algum interesse na vida".
Não precisava ser por uma mulher ou um homem, podia ser por uma idéia, por Deus. Bem-humorada, ela logo auto-retrucava: "Mas eu prefiro por um homem". E completava: "Por isso acho muito triste a velhice, porque sempre as pessoas falam: "Fica com Deus". Nunca dizem: "Fica com um homem'".
Mas Hilst não estava falando da verdadeira paixão. A mulher que encantou certa vez Dean Martin, diz a lenda, logo confessava: amor mesmo era a poesia.
Publicada a maior parte da vida por editoras pequenas, sobretudo pelo bravo Massao Ohno, a poeta só chegara a uma grande editora em 2002.
A Globo acabou de vender duas obras dela para Portugal. Negociava agora com a Alemanha, que nunca lera seus versos.
A apaixonada Hilda Hilst morreu às 4h da manhã de quarta, aos 73 anos, sem saber".

Por uma vida um tanto menos ordinária

Este texto foi surrupiado do suposto blog da Elenita (ex-BBB10). Alguém lembra dela? Eu lembro deste texto que li e gostei. Ei-lo!

Esses dias eu conheci um mocinho na balada. Muito educado, gracinha, alguns anos mais jovem. A aproximação dele aconteceu de forma direta e gentil, muito bem orientada. Desde o início ele sabia o que queria e exalava a confiança (talvez proveniente da extrema beleza) de que podia qualquer coisa que quisesse… Alguns minutos conversando comigo, ele tentou um beijo. Não dei.
Não sei dizer ao certo porque sequer troquei telefone com ele. Talvez — apesar do meu desejo — eu tenha usado aquela situação pra refletir e perceber que o discurso feminista que a gente sustenta tanto, aquele mesmo da independência e iniciativa feminina, pode gerar o efeito contrário muitas vezes.
A gente estava tendo uma conversa deliciosa… Mas quando o amigo chegou com seu olhar de reprovação vc-tá-nessa-ainda e o moço se deu conta que havia passado 30, 40 minutos conversando apenas comigo em uma boate lotada de gente (leia-se muitas possibilidades) retraiu-se. Fui educada e simpática, agradeci a companhia e saí.
Por que contar essa história? Porque eu acho que toda mulher merece um cara que gaste mais de 40 minutos, insistindo, conhecendo e se deixando conhecer antes de tentar colocar a língua dentro da boca dela. Nada contra a filosofia do “ficar”… Mas é que hoje eu vejo que a nossa vida perdeu boa parte do romance. E da corte, do flerte, da conquista, da sedução… As relações são quase todas fast-foods, e a gente tem tanta fome de viver, que vai atropelando fases e vai atropelando tudo. E mata — sem se dar conta — o tempo necessário pra perceber se aquela história podia ser mais… Se o cara era legal, ou você era legal… Vai saber.
Eu acho que eu tô ficando careta. Nunca achei que eu fosse dizer isso, mas tô. Acho que a gente veio “deseducando” os homens durante todo esse tempo, e deixou tudo tão fácil, tão disponível e tão acessível que matou todo o encanto…
Por que simplesmente não beijar o cara quando estiver com vontade? Por que relutar em atender a cada desejo e necessidade nossa (inclusive sexual) no instante mesmo em que elas aparecem? Afinal, não somos mulheres modernas? Respondo.
Porque depois de um tempo, a maioria de nós reclama de solidão e vazio. E não entende por que ele não percebeu que você é incrível e te convidou para a festa da empresa. E se sente abandonada, sozinha…
Fazer um almoço completo, com uma salada gostosa, uma massa com molhos, temperos e a proteína escolhida, pode dar o trabalho de ir pegar os tomates frescos na feira, marinar o peixe, lavar as folhas, misturar condimentos, mas traz uma experiência e um sabor que não podem ser comparados ao de passar no drive-thru daquela loja de sanduíches e ingerir em dois minutos o cheeseburguer com bacon.
Eu não quero beijos fast-food, não quero sexo fast-food. O cheeseburguer pode ter lá o seu espaço e o seu charme, mas é barato, gorduroso, faz mal pro coração e deixa a gente se sentindo feia e inchada no dia seguinte. Como nós, os homens também querem ser sacudidos até perderem o juízo, também querem se sentir vivos. Também querem se apaixonar e — por mais que neguem — encontrar aquela que enlouquecerá suas cabeças. Me chamem de quadrada, mas eu não acho que vai ser a moça cuja língua ele conheceu antes mesmo de dar oi. A mesma moça que depois, em casa, vai ficar se perguntando por que histórias incríveis só acontecem no cinema.
(Ao moço dos olhos azuis que conheci numa noite de quarta em dezembro naquela boate do lago, saiba… eu teria dado o meu telefone a você.)

Desconstruindo eu

Lendo uns perfis de bloggers e orkuts descobri uma coisa em mim: não tenho livros, filmes ou canções favoritas. Sei do que não gosto, mas sou apaixonada por infinitas coisas. Reparei que muita gente escreve o que acha que o outro gostaria de ler (e se impressionar, por que não?) e, na bagunça da singularidade humana, imagino que seja quase inconcebível tantas afinidades. "Cem Anos de Solidão", "A Insustentável Leveza do Ser"... Nomes de bandas e protagonistas que nem saberia escrever o nome sem a ajuda do Google. Acho que a maioria nem lê o que diz, assiste o que fala e não se exercita o quanto pronuncia. Se fosse assim, não teríamos tantas mortes por sedentarismo nem assassinaríamos a língua portuguesa. Quem dera termos a cultura que propagamos!
Dia desses li num site, cujo nome não lembro, que 75% dos americanos leem jornal, contra 4,5% dos brasileiros. Eita! Depois recordei de uma discussão que tive em sala de aula, quando a doutora em linguística tentava me convencer que é mentira essa história de que a gente tem preguiça de ler. Ainda usou a feira Pan-Amazônica do livro, em Belém, como justificativa ao seu argumento. Justo no dia em que assisti a uma entrevista de um crítico literário dizendo que lemos pouco porque o preço do livro é muito caro! Temos o quarto maior evento literário do Brasil, mas quantas daquelas pessoas vão a feiras literárias em busca de narrativas que embalem suas vidas ou ampliem seu conhecimento? A feira, na verdade, já deveria ter mudado para “com livro”. Tem música, comes e bebes à vontade e muita gente disposta à badalação. O valor dos livros é salgado e a miséria é grande, principalmente intelectual, é bem verdade. Mas shopping novo está abarrotado de curiosos dispostos a consumir novidades, no centro comercial mal dá pra andar sem se aborrecer com os camelôs e com gente que pára (ainda gosto deste acento aí, mesmo com a reforma ortográfica. Vai ser difícil me desapegar dele) em frente às lojas, me trazendo a sensação de que não têm nada de melhor pra fazer. Os parques de diversões são disputadíssimos. A voltinha custa caro e dura cinco minutos, no máximo. Os shows dos cantores em voga, quase sempre têm filas para pagar o ingresso, que não custa barato.
Tudo isso é maravilhoso e devia ser complemento de uma vida saudável, recheada de cultura, mas os livros e os jornais no Brasil continuarão a ficar em último plano. São 510 anos de atraso. E ainda reclamam do preço da energia elétrica! Prefiro lê-los primeiro e continuar a não ter escolher qual é o melhor. Sem precisar optar, porque é absolutamente desnecessário, amplio o leque de opções. Sempre.

Nasceu


Faz tempo que queria um espaço pra divulgação de ideias (principalmente as minhas, claro). Conseguir um título pro blog foi um pouco difícil porque a Blogspot está cheia de pessoas que têm o que compartilhar (ainda bem). Optei por "lenificando" baseada na certeza de que o mundo se torna mais suave quando a gente extravasa o que pensa. Espero, então, que gostem e que possamos "tecer a manhã", juntos, sempre que nosso tempo nos permitir.