terça-feira, 31 de agosto de 2010

O auto-retrato


No retrato que me traço
- traço a traço - 
Às vezes me pinto nuvem,
Às vezes me pinto árvore...

Às vezes me pinto coisas
De que nem há mais lembrança
Ou coisas que não existem
Mas que um dia existirão...

E, desta lida, em que me busco
- pouco a pouco - 
Minha eterna semelhança,

No final, que restará?
Um desenho de criança...
Corrigido por um louco
(Mario Quintana)

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Reconquista

Som do mar ao longe. Ela mais uma vez retornara à casa de praia. Neste dia, as janelas permaneceram fechadas. Frio fora. Neve dentro.
Tirou o tecido que cobria a mobília da sala, bateu o pó e encolheu-se no canto do sofá. Sabia o que estava por vir. Dias longos, em que só precisava de um tipo encontro.
Ela sempre voltava ali naquelas ocasiões. No final da tarde, preparava uma xícara de chá quente com leite, ia pra cadeira de embalar na sacada e observada o ir e vir das ondas. Não se atrevia a por os pés na água. Não estava pronta. À direita, mãe e filha catavam conchas. Do lado oposto, um garoto corria a plenos pulmões com um cão enorme atrás. Desses de propaganda de ração. Mais a frente, um casal de meia idade namorava o pôr-do-sol de mãos dadas. Sentiu pena de si mesma. E pela primeira vez chorou naquela temporada. No dia seguinte também. Acendeu um cigarro, abriu um livro de poesias e pôs a questionar-se que espécie de felicidade é essa que nos dizem ser a ideal ao longo da vida, que nos permite frustrar. Sabia o que era amor e já conhecia a vida sem ele. Recuara-se no mais íntimo desespero, mas era dona de si. Quis, por um momento de torpor, o que julgara ser seu. Mas sabia o que precisava ser feito. Ao final do décimo primeiro dia, desceu as escadas às pressas e correu pela areia. Quando a exaustão tomou conta do corpo, precipitou-se na água. Estava feito. A partir daquele momento declarara a morte da aflição. Então era hora de voltar pra casa.

domingo, 22 de agosto de 2010

Aujourd'hui






Apaixonar-se por uma ideia, uma possibilidade, é para os bravos. Não sou dada a sonhos em prazo longo. A vida sempre me cobrou a ser imediatista, mas mantinha um quê de quimera que, quase sempre, findada em frustração. No máximo que consigo planejar são as próximas férias, contando com a possibilidade de que estarei no mesmo emprego e que o chefe será impecável no cumprimento do meu calendário trabalhista. Ou a compra de um bem durável.
Possibilidades românticas a perder de vista, então... Nem pensar! Sou pele, cheiro, lembrança do concreto. Há pouco conversava com uma amiga que perdeu o namorado pra Espanha, com segundo pouso no Marrocos. Não sabe se volta e, se, nem cogita como estariam. Sofre com a impossibilidade do sim. Se aflige com a capacidade do não. Amores com prazo de validade sempre pra expirar também me inquietam. A suscetibilidade à circunstância não é pra mim. O momento em que a toalha molhada na cama ou o tubo de creme dental espremido no meio pode ser o bode expiatório para o fim de relações moribundas.
Cortejo a calmaria de quem se compromete com o hoje. Às vésperas do balzaquianismo, tenho descoberto que a vida está se tornando mais simples, leve, feliz. Não morna! Gosto de paixões que duram o tempo certo, de olhos nos olhos, da afinidade de almas que – apesar das diferenças – são cúmplices silenciosas. E, na atualidade, se bastam.
Aprendi a não precipitar etapas. O tempo sempre será maior e mais instável do que meu passo.

sábado, 21 de agosto de 2010

Ferrolho


"... Quando quiser entrar
e encontrar o trinco trancado
Saiba que meu coração
é um barraco de zinco
todo cuidado..."
(Vander Lee)

domingo, 8 de agosto de 2010

Nostálgica

"Nosso sonho se perdeu no fio da vida
E eu vou embora sem mais feridas,
Sem despedidas.
Eu quero ver o mar..."
(Liminha/ Vanessa da Matta)

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Labareda




A vida é um incêndio: nela
dançamos, salamandras mágicas
Que importa restarem cinzas
se a chama foi bela e alta?
Em meio aos toros que desabam,
cantemos a canção das chamas!
Cantemos a canção da vida,
na própria luz consumida...
(Mario Quintana)

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Certas coisas...




Tudo o que cala, fala mais
alto ao coração.
Silenciosamente,
eu te falo com paixão
(...)
... Eu não sei dizer.

(Lulu Santos/Nelson Motta)